CISCOS DE AREIA
Como devo falar com estranhos,
Se eu for pra bem longe daqui,
E estou a andar pelos sonhos,
Com pessoas que eu nunca vi?
Minha língua é muito estranha,
Pois eu falo e ninguém entende,
E se escrevo na pressa tamanha,
Erro até o que tenho na mente.
Esse mundo é extenso e diverso,
Mesmo sendo a única morada,
E parece ser noutro universo,
Que depende de outra estrada.
Não serei quem abrace e beije,
Nem sei se viverei noutro portal,
Pois meu cerne talvez nem deseje,
Os retratos que posto em jornal.
Por aqui somos ciscos de areia,
Ou a pulga nas costas de um cão,
E não sei se irei ser sereia,
Pois nem sei como ir a Plutão.
No lado de fora eu vou sozinho,
Mas por aqui também há solidão,
E tanta gente aumenta o espinho,
Com que ferem e me tomam o pão.
A vida é efêmera e eles esquecem,
Ou se fazem de burros ou néscios,
Pois quem rouba o que lhe apetece,
Nem supõe as razões do comércio.
Querem ser como Europa e Zeus,
Mas o tempo dos deuses findou,
E não há nem mesmo um semideus,
Foi assim que o profeta falou.
Só sobrou o corpo que transpira,
Sem ter alma e nem purgatório,
Sem um céu, o inferno e a pira,
Pois o fogo queimou o cartório.