ENQUANTO O DIA NÃO CHEGA
Há tempos de seca e de chuva,
Como dias de sol e os trovões,
Há horas que são das viúvas,
E chuva com sol nos verões.
As estações no sul são dilemas,
Pois não há outono e primavera,
E um arremedo de inverno apenas,
Deixa um longo verão que impera.
Quando eu era pequeno e inculto,
Não sabia do valor ecológico,
Caçava passarinhos sem um luto,
E hoje sei o porquê do relógio.
Talvez já seja tarde demais,
Pois selaram quintais e ruas,
Se nas praças sobram pinhais,
Mas, no resto, carros e gruas.
Não há mais o jardim e a grama,
Nem abelhas, canários e lírios,
Pois o homem só busca a grana,
E a fuligem nos pede colírios.
Ferem a terra com suas lanças,
Como ao perfurar por petróleo,
E castigam o corpo nas balanças,
Gordos como jubarte em abrolhos.
Hoje vivem sem ver consequências,
Por se acharem os seres divinos,
E não sabem quem dará anuências,
Para os erros que selam destinos.
Quando as geleiras derreterem,
E os pampas virarem desertos,
Não adiante eles me prometerem,
Pois a vida será nos infernos.
Todos irão conhecer o tártaro,
Inclusive verão o riso de Hades,
Porque cérbero rosnará de fato,
E depois vai comer suas carnes.
Mas, enquanto o dia não chega,
Viveremos de fogo e enchente,
E o oculista somente lhe cega,
Pois desde antes estais doente.