DESDE QUE NASCI
Estou na estrada desde que nasci,
Usando os carros de lata e faxina,
Com as alpercatas fiz roda surgir,
E estradas abri e foi obra prima.
Fui por encruzilhadas com Ogum,
E pedi, sem saber, licença a Exú,
Fui ter trabalho em lugar comum,
Pois só no natal eu comia peru.
Eu não tinha carro, mas ia a pé,
E a escola era longe sob o Sol,
Tudo era difícil, mas tinha fé,
Que iria ser rico e ter anzol.
Em um gibi vi pobre virar rico,
Pois ele pescava e tudo vendia,
Então, percebi um mundo maldito,
Onde a fome impera com ironia.
Há dois tipos de gente entre nós,
Mas alguns são hipócritas e cruéis,
Querem tudo pra si e nada pra nós,
Porque somos recheios de pastéis.
Pois a carne barata está podre
E ela tem minha cor e meu passado,
Pois sou negro e índio sem coldre,
Se a bala é do rico e do malvado.
Nas ruas de hoje é tanto açougue,
Seja nos morros ou pelas guerras,
Pois até meu Brasil é Gaza hoje,
Mas o mal não terá a vida eterna.
Eu prefiro ter todo mundo à mesa,
Com judeus, palestinos e os demais,
Celebrando o suor com a certeza,
De que só precisamos é ter paz.