MORADA AO LADO
Ele foi criança com as areias,
E viu os camelos e dromedários,
Sussurrou ao leão e as sereias,
O que não disse aos legionários.
Ele se escondeu entre pardos,
Fez morada ao lado dos faraós,
Viu os cestos do Nilo que guardo,
Com meus apetrechos e o enxó.
Aprendeu o que seja um poeta,
Pois se aproveitou das palavras,
Fez parábolas em suas conversas,
Foi doutor entre os anacoretas.
Teve uma vida concreta e sonhos,
Conversou com plantas em chamas,
Foi Xangô e Ogum pros estranhos,
Mas deitou nos colos das damas.
Teve com Madalena os carinhos,
Mas não deixou rastros e padres,
Suscitou textos em pergaminhos,
E talvez tenha feito milagres.
Tudo é modo de dizer algo mais,
E, às vezes, temos trocadilhos,
Seja para gozar com os demais,
Num lar que os dias são trilhos.
Não direi dele com os mendigos,
Senão vão duvidar ser um rei,
Mas foi veio d'água em pingos,
Gotejando e falando o que sei.
Nessas gotas foi estalactite,
E uniu cada flecha com o alvo,
Viu crescer cada estalagmite,
Celebrou a mãe terra num trago.
Congregou com o vinho na mesa,
Mas não convidou os sacerdotes,
Porque viu o que tinha certeza,
Diante de hipócritas e zelotes.
Essa estória é para que saibam,
O que escondo em meu corpo nú,
Mas aos que não nos percebam,
Eu digo que não somos tatu.