NO MEIO DA CAATINGA
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Tirei vários dias pra andar,
E escolhi andar pelo Brasil,
Mas tem dias pra cada lugar,
Como abraços de calor e frio.
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Eu saí de Jequié pelo sertão,
E fui ao coração da caatinga,
Sem ver rio, nem de aluvião,
Pois ali não tinha restinga.
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No início era somente asfalto,
Mas essa via não era um final,
E no chão foi poeira ou assalto,
Pois secaram a lagoa com sal.
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Entre cercas caídas e espinhos,
Fui andando como uma serpente,
Em estradas que andava sozinho,
Mas a cana quer ser aguardente.
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No início, o vento nem soprava,
Pois os morros impediam o verão,
E fui beber água pela chapada,
Porque lá tem um bom ribeirão.
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Lá ocorriam pés de juá e mangaba,
Entre bromélias e cabeças de frade,
Mas sobre o lajedo o bode estava,
E fui andando de manhã e à tarde.
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Parei para dormir pelos ranchos,
Com licença de bons catingueiros,
E fiz a cama com lençóis brancos,
Mas sentei para um café ligeiro.
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Entre causos e repentes à varanda,
Muita prosa ouvi e também recitei,
E as crianças comiam cajaranas,
Que colhi nos quintais que passei.
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As rezadeiras demonstravam ter fé,
E com elas rezei todos os ofícios,
Com as cantigas de um velho pajé,
Que traziam paz e seus benefícios.
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Nos terreiros, vi o povo dançando,
Enquanto a lua cheia se achegava,
E os grilos, com a coruja passando,
Guiavam até onde um guará estava.
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Ali eu ouvia os seus uivos,
E admirava as estrelas cadentes,
Mesmo quando um relógio de cuco,
Me lembrava de velhas serpentes.
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Mas fui andar e a manhã era linda,
Pois a sabiá laranjeira acordava,
E depois de ajudar com as faxinas,
Na ordenha um bom leite eu tomava.
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Teve o lugar em que comi requeijão,
E a rapadura de um velho alambique,
Com o café que retirei de um pilão,
E os ovos que uma aquicó permite.
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Depois eu segui a buscar pelo dia,
Pois a estrada me quer andarilho,
Sem pescar ou caçar o que eu via,
Mas agradecendo cada fubá de milho.
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Foi comendo, às vezes, uma canjica,
Pois sempre tem dias de São João,
Pra dançar com a fé mais bendita,
Se quem planta celebra o chão.