ANTES DAS UVAS
Era um tampo de inox,
Mas havia uma panela,
E vi no rosto o botox,
De uma fera tão bela.
E todos queriam a beleza,
Mas ela logo se escondia,
Pois não servem na mesa,
O fruto do amor que ardia.
Eu só queria sua sutileza,
Com seu carinho e conforto,
Pra que eu tivesse certeza,
E não o medo de estar morto.
Se estou num corpo com alma,
A minha imagem não lhe dirá,
Vai ser só a fé respaldada,
Do que não sei se virá.
Promessas tenho pela vida,
Mas um natimorto desdenha,
E logo a tumba me convida,
Pois meu tempo é como lenha.
O fogo queima e há rescaldo,
Do que sobrou duma contenda,
Mas ao nascer sem ter caldo,
Me lembrei de tudo ser cena.
O tanque secou antes das uvas,
E a cisterna não mata a sede,
Sem água, sem rio ou sem chuva,
Nem vinho terei na minha rede.
E se deito no solo com a esteira,
Meu risco será estar com os ratos,
Que chegam sabendo estar à beira,
Da morte que chega como distrato.
A dor se anuncia por todo o corpo,
Sequelas da lida e de escravidão,
E nem adianta ler fábulas de Esopo,
Pois tudo me diz ter vivido em vão.
Nascer sem um irmão e tão fraco,
Mesmo com irmãs, primos e paixão,
Reflete a solidão diante do palco,
Ou numa igreja sem sinos e pão.
São só pensamentos de quem sofre,
Perante um dilema sobre a emoção,
Que é um sertão e nunca que chove,
Mas tem meu lagarto em hibernação.