CACOS E REMENDOS
A felicidade é um amontoado de cacos,
Como a alegria de juntar os remendos,
São os momentos cada vez mais raros,
Mas que justificam o que vou vivendo.
Nunca alcançarás a final felicidade,
A não ser quando tudo já lhe basta,
Sejam os dias pelo campo ou cidades,
Ou cachorros e gatos dando a pata.
Se os caninos balançam seus rabos,
E o gato se esfrega na sua perna,
Sinta o ronronar do vento no mato,
Ou seu suspiro nas grotas da terra.
Ouça um dia o nosso Villa Lobos,
Mas também um réquiem de Mozart,
Sinta a viola no canto mais bobo,
Mas sossegue se a chuva chegar.
Curta aquele momento junto à noite,
No calor da lareira que gera arrepio,
Ou ouça o vento a soprar como açoite,
Quando o inverno contrastar o estio.
Colha aquela fruta que lhe cativa,
Seja ela de vez, verde ou madura,
Ou declame com a voz mais altiva,
Os poemas à vela ou na formatura.
Saiba que o aprendizado se esquece,
Quando chegares na curva da infância,
Pois tu nasce solto ou sem uma prece,
Se a cultura vem da tua inconstância.
Aproveite os momentos mais básicos,
Como na fome e sede que vais saciar,
Goze em cada ato ou até nos ocasos,
Onde o sol e a lua irás encontrar.
Tome aquele banho quando há calor,
E se cubra quando o frio chegar,
Aprecie as abelhas sobre uma flor,
E os pássaros pela manhã a cantar.
Defeque ou mije o quanto quiseres,
Pois é assim que terás mais saúde,
Idealize e sonhe o quanto puderes,
Mas saiba que o orgulho te ilude.