TEMPERO ESCRAVO
Como viver no escuro e tão só,
Tendo o deserto diante o olhar,
E a pele curtida se há o Sol,
Mas à noite é frio de lascar?
Toda essa amplitude é desafio,
E nos faz questionar até Deus,
Se a questão não é frio ou calor,
Mas a serpente dizendo-me adeus.
Certa vez foi praga de gafanhotos,
No deserto do Egito e de hebreus,
Na libertação de escravos e rotos,
Ou separando patrícios de plebeus.
Naqueles tempos sem tecnologia,
Que trouxesse a água ao sertão,
Nem cacimbas cessavam a agonia,
De viver sem o mel e o feijão.
Se plantava, mas nunca chovia,
Pois a fonte secou por mil anos,
Então, dessas agruras eu fugia,
E minha alegria era um plano.
Hoje o povo não vive em tribos,
E os clãs são nuas comunidades,
E as vilas divagam em trilhos,
De megalópoles e entre cidades.
Se curava com ervas e emplastros,
Ou mergulhos nas águas termais,
E se era no gelo dos castros,
Dias sem banho eram normais.
Um dia no rio ou na beira do mar,
Sempre vão dizer que vale a pena,
Se o bichos do rio diferem do mar,
Seja por escamas ou gota serena.
O sabor do peixe não é de crustáceo,
Mas usa o tempero da flor do dendê,
E no leite de coco vai bem o quiabo,
Com castanhas e o dom de quem crê.
No tempero escravo se aproveitava,
O que descartavam pelas cercanias,
Faziam o cozido, que tudo levava,
E a feijoada com tripas que havia.
Era paio, linguiça e pé de porco,
E até o charque ou algo da leira,
Tudo era salgado, além de um pouco,
Mas toda cachaça era de primeira.
Para se aguentar sofrer no chicote,
E roçar o canavial ou ser uma mula,
Se roubava uísque do rei de saiote,
Pois, como a erva, servia de cura.