A MORTE NÃO QUER O CORPO
Arrancam minh'alma do corpo,
São vorazes os meus inimigos,
Mesmo como um artigo já morto,
Todo roto e sem mais amigos.
Vejo um corpo se decompondo,
Desde o tiro a queima-roupa,
Já rasgado acima do lombo,
Sem ter onças ou garoupas.
Não havia mesmo o dinheiro,
Pois o bolso estava lacrado,
E o caixão sendo o minhaeiro,
Pode ser só um cofre zerado.
Todos querem ter o meu ouro,
Mas o que sei eu não vendo,
Sendo o louco com um tesouro,
Que eu mesmo não compreendo.
Fui criado para só partilhar,
Se daqui não levei e não levo,
Malcriado, eu nem vou ao bar,
Porque lá todos são cegos.
Tem o bêbado que mata a mulher,
Pois nem sabe o porquê de beber,
E abraça um demônio qualquer,
Ao deixar de ser anjo ou bebê.
Esse diabo que não foi um anjo,
É o mesmo que sempre é sacana,
E nos trai já tocando seu banjo,
Mas seu lastro nem serve de cama.
Haverá cosmo com mais um dia,
Para quem nunca soube viver,
Mas será de servil alforria,
Se liberta a clausura do ser.
Só não queira esse conflito,
E por isso não plante a dor,
Pra que colha de modo contrito,
O que sirva à paz e ao amor.
Ressuscite se for ser melhor,
Pois a morte não quer o corpo,
Quer apenas seu gás e o suor,
Mesmo que tu evoques conforto.