O CARRO NA RUA
Em frente a um teatro ele estava,
Sentado ao coxim de um carro velho,
Ouvindo a música que o rádio tocava,
Que era do tempo de um escaravelho.
Parecia uma voz vinda ao vento,
Ou será que chovia naquele horário,
Mas o carro era a paz de um convento,
Ao não ser apenas um velho armário.
O carro ficava do outro lado da rua,
Porque na descida pegava no tombo,
Quando a bateria fervia sob a lua,
Sem ter solução ou tempero do lombo.
Antes do teatro ele foi na quitanda,
Comprou defumados e verduras também,
Lembrou de um requeijão e da manga,
Misturas de tudo que pode um vintém.
No carro a chaleira era um quente-frio,
E ele tomava os cafés da chapada,
Pois ele conhece os meandros do rio,
E prova o valor do café com empada.
Depois disso tudo ele vai ao salão,
Brincar com amigos um jogo de damas,
Ou o dominó com as pedras-sabão,
Que as Minas Gerais deu a fama.
Sentado à mesa tomou um sorvete,
Chupou picolés que o irmão produziu,
Lembrou do cinema de quando pivete,
Sonhou com os dias e abduziu.
Foi para o espaço e não mais voltou,
Pegou a carona de um velho albatroz,
Que estava perdido depois que voou,
Mas a correnteza lhe mostrou a foz.
E diante do mar como grande Kalunga,
Um preto velho se lembra do clã,
Enquanto Davi já não usa uma funda,
E reina através de Jesus ou Tupã.