ALÉM DO ABISMO
Resolvi caminhar pelo mundo,
Não pensando ser tão difícil,
Quando eu me vi cão imundo,
Ante o lodo de um precipício.
Isso foi no abismo pacífico,
Mas também foi pelo caribe,
E no colo de chão movediço,
Com a tosse de asma ou gripe.
Eu pensei que seria só índio,
Mas vieram também portugueses,
Navegando além de um Índico,
Em calmarias e vento às vezes.
Não bastasse, eu vi espanhóis,
Quando a corte ficou sem coroa,
Salvador viveu seus girassóis,
Ao ser nossa cidade e canoa.
E assim, eu cruzei a Bahia,
Com a minha jangada furada,
E andei pelo chão que não via,
Com siri mole e sem feijoada.
Só provei dos quitutes da preta,
Bem depois de depor sinhozinho,
Com a senzala sem o anacoreta,
Mas lambreta, dendê ou toucinho.
Sempre foram os tempos difíceis,
Em cada vez que fui reaprender,
Com todas gerações nos recifes,
Ou os peixes que não vou comer.
Quando eu transitei por desertos,
Ou as selvas que ainda insistem,
Eu me vi como versos modernos,
Pois as línguas nunca resistem.
Hoje eu penso falar lusitano,
Mas eu misturei tupi e o banto,
Com o nagô e um orar tibetano,
Na mistura de pele e encanto.
Somos frutos de toda a Terra,
Dos riachos, lagoas e mares,
Somos frutos do topo da serra,
Ou lavouras além de Palmares.