CHÃO MESCLADO
Quero ser como uma borboleta,
Mas também quero não esquecer,
E somos mais que os gametas,
Nas almas que somam ao nascer.
Ninguém será igual ou semente,
Por causa do pólen e o lugar,
Pois há dias de Sol inclemente,
Mas também há tormenta ou luar.
Se eu nasci antes do meteoro,
Eu serei alvo de uma explosão,
Mas se chego depois do lavoro,
Sou semente do fruto no chão.
Mesmo em terreno antigo ou novo,
Eu dependo de estrelas cadentes,
Como a luz que se mostra no fogo,
Ou a marca dos meus ascendentes.
Se for touro juntinho a peixes,
Eu descubro meu ser messiânico,
Mas ainda sou terra e deleites,
De quem mescla o solo e o sonho.
Sempre vou caminhando na busca,
Mesmo quando eu quisesse voar,
Pois o sol de manhã me ofusca,
Mas à noite sou alguém a orar.
Quero ser pirilampo ou estrela,
Ou coruja que campeia a voar,
Mas também posso ser uma vela,
Que ilumina o santo e o altar.
Se me lembro de lar e família,
Serei quem viajou sem esquecer,
Com o amor sendo a boa mobília,
Mas é fogo que aquece meu ser.
E minha pátria será como filha,
Onde tenho meu gene de vitória,
Onde eu ando sem rumo na trilha,
Porque só o amor traz a glória.
Nesse chão tão mesclado de tempo,
Já estive bem juntinho em África,
De onde vi todo mundo com o vento,
Bem além dos desertos sem cáfila.
Sou, então, o clamor dos ausentes,
Torturados pela cor ou pobreza,
Mas guardando o bom das sementes,
Com os navios negreiros à mesa.