SORTE É TER SETE VIDAS
Andei como um gato de rua,
Esgueirando em troncos e postes,
Em passeios de almas tão nuas,
Com o asco de esgoto sem sorte.
De alguns poucos eu tive carinho,
Mas de outros só tive os chutes,
E a ração que tem no mercadinho,
Eu ganho, quando não se discute.
Para uns eu contei em miados,
Pois achei certa comiseração,
Para que outros sejam indagados,
Se ainda sou um gato ou não.
Morar sem um canto ou carinho,
Não foi o que disse Nefertiti,
Desde quando o Nilo foi ninho,
E um gato foi luz de uma elite.
Lá no Egito já fui o sagrado,
Guardador de mistérios e mimo,
Pois os homens me viam ao lado,
Como alguém protetor e arrimo.
Hoje apenas sou siamês ou persa,
Angorá, himalaia ou da mistura,
A viver numa sociedade perversa,
Que não tem sapiência e candura.
Pensam sempre em ganhar dinheiro,
E nem lembram que a morte é certa,
Pois só vivem como o guerrilheiro,
Conflitando fé com a vida moderna.
Só esquecem dos segredos do mundo,
Que camuflam eu mim cada gosto,
Pois aqui é só onde eu comungo,
Cada vida em que mostro meu rosto.
Minha sorte é ter sete vidas,
Ou seriam outras pele no cio,
Se a história só nos convida,
A viver como só vive um rio.
Nós só vamos escorrer no relevo,
Carregando o que a chuva traz,
Ou sorvendo essências do libelo,
Pois a terra é quem nos satisfaz.
Mesmo que eu dependa de estrelas,
Como um astro que sou a orbitar,
Mas aqui eu dependo de vê-las,
Se em cavernas não quero ficar.
Já cansei de buscar entender,
Cada fala que assombrou Platão,
Pois nas sombras vou perecer,
Ou viver sem paz ou em vão.