EM CELAS DE ALVÉOLO
Eu sou o futuro de outrora,
Se é que ainda estou vivo,
Por isso eu vi cada aurora,
De tanto que eu sobrevivo.
Em várias celas de alvéolo,
Servi como um mel curtido,
Mas a cor não era amarelo,
Pois havia o sangue contido.
São loucas etapas de luta,
Sem nada servir de consolo,
Onde sobra mingau de araruta,
Mas a vida é fanta com bolo.
Como plebeu, sou peão sofrido,
Sem a sorte do cavalo ou bispo,
Entre a dama e o rei incherido,
A lutar por saber que existo.
E eu resisto bravamente à dor,
Por saber que aqui tudo é breve,
Desde quando a carne é o suor,
Que escorre no lodo que ferve.
Eu queria a pena de um condor,
Pra carregar uma tinta viçosa,
E escrever numa tela sem cor,
Realçando o que vende a prosa.
Mas foi tarde o começo da escrita,
Ou faltava viver para entender,
Pois um druida na fonte acredita,
Onde as runas não podem dizer.
Numa folha e flor solta ao vento,
Há também os griôs pra ensinar,
Porque no baobá há um templo,
Para cada senhora ir deitar.
Temos vários segredos na vida,
Predispostos em livros sem capa,
Sendo apócrifos ou só despedidas,
Caso sejam de regras que mata.
Sou parceiro de ervas e chás,
Mas também gosto de boa mesa,
E o enredo de encantos e sais,
Me dá banhos de cura ou reza.
Foi nessa balada poética,
Que ouvi um breve sussurro,
Pela fada viva e sincrética,
Dando fé e também o escudo.