COMIDA E VIDA DE ESCRAVO
Quem já foi escravo, padece,
Das horas ao sol e ao luar,
Pois quando o corpo padece,
A dor vem em qualquer lugar,
E não é gemido de um gozo,
Mas de ter o chão espinhoso,
Sem ter de comer ao orar.
A rosa sem cravo se esquece,
Das prosas de amor ao luar,
Desde que a paixão só aquece,
Se tudo for belo e de amar,
Mas tem uma flor lá no campo,
Qual lírio com um choro tanto,
Mas que ninguém vai exaltar.
Um dia, sofrendo a chibata,
Eu perguntava ao meu guia,
Porque cada homem se mata,
E o porque viver de agonia,
Quando há folha pro banho,
E só mais um chá do cânhamo,
Na Jamaica, em Cuba e Bahia.
Mas lembrei o grão do feijão,
Que os lordes nunca cozinham,
Pelo menos no jeito bretão,
Que aqui eles só fantasiam,
E à noite, sem nada no lar,
Nem cachaça pra dor enganar,
Eu enchia a tripa que havia.
E assim, juntei com o charque,
Tendo pata e osso do patinho,
Moqueando tudo em destaque,
Com pimenta moída e cominho,
Casa Grande então desdenhava,
Do sofrer que é couro na brasa,
Tudo enquanto bebiam o vinho.
Nem sabiam que há o talento,
Que dá gosto a tantos miúdos,
Pois a carne gorda é fermento,
Ao sabor sem noite de estudos,
E que surge da vida de outrora,
Com a benção de Nanã senhora,
E nos servem até nos soluços.
Foi então que surgiu feijoada,
E a comida de escravo ecoou,
Misturando dendê e a rabada,
Como até o amalá de Xangô,
Demonstrando a boa rebolada,
Que também dá sabor à cocada,
Pois o preto é mais que nagô.