PENSANDO EM PARTIR
Na chuva que é só tormenta,
Pode ser que eu seja vencido,
Pois nem o elástico aguenta,
Esticar o meu couro curtido.
E triste, relembro as moradas,
E os lugares por onde passei,
Até quando a dor da jornada,
Vem reclamar do que andei.
Por isso, reflito meus dias,
E até o quanto eu aguento,
Porque ter falsos messias,
Só nos faz viver de tormento.
E foi nessa estrada incerta,
Sem nos dar teto e nem pão,
Que vou pensando em partir,
Em busca de um novo chão.
Já não sei se sou brasileiro,
Pois a minha terra é o globo,
E prefiro não ser o artilheiro,
Mas olhar a sina de um lobo.
Porque lobos e alcatéia,
São parte da mesma sina,
Ou até quando a Medéia,
Desfila por trás da cortina.
Porque lobos são ferozes,
Mas o homem é bem pior,
Pois se tornam os algozes,
Para não dar o seu melhor.
E está tudo escuro na vista,
Pois sofro a própria demência,
Desde que concorro na pista,
Mas sinto ser tudo ausência.
Seja ausência de pátria ou solo,
Ou ausência de chances na vida,
Porque somos párias sem colo,
Pela essência que não se valida.
E por isso eu penso estranho,
Como um estrangeiro que sou,
Porque vim da bruma do sonho,
Nos anéis que Saturno gestou.
Sou o vento da rocha elíptica,
Que sumiu mas deixou o calor,
Mas eu vivo só numa cripta,
Onde o canto é só de louvor.
E assim, quero um canto na Terra,
Onde a paz tenha pena de mim,
E eu faça meu verso que encerra,
Mas o rastro não tenha mais fim.