O CONTRASTE SIMBÓLICO DO NEGRO E DO OURO
O CONTRASTE SIMBÓLICO DO NEGRO E DO OURO
Ser negreiro não era ser meramente um navio - pois se deixava transportar a riqueza não reconhecida, nos porões de fétidos navios, que se decantavam por terem marujos e corsários de pele clara, como se a clara nada mais fosse do que salvaguarda para a gema bendita e fecundante do ovo, que se deixa emblemar e demonstrar em cor - mas era ser como o ouro que nutre e fecunda, preenchendo a lacuna que o bárbaro ibérico não foi capaz de preencher consigo mesmo.
Ao contrário da clara que, como a casca, protege a gema, num navio negreiro, nós tínhamos o casco do navio, repleto de uma turba de senhores e maldades, a serviço de receptáculos e invólucros do que chafurdavam em seus porões, como gatos negros, mas com olhos de aurífero brilhar, já que vinham para gerar riqueza e mais valia, sem nenhuma poesia, mas suor e liberdade aviltada, a qual não se pode mensurar, pois é o roubo da dignidade de um ser que está em jogo, num ato que mais vil se torna por se tratar de um próprio semelhante, em raça, espécie e fruto de uma mesma árvore, mesmo que essa espécie de árvore cresça em solos distintos, afetos aos formatos e conteúdos climáticos e geológicos, de solos sacros pela genealogia dos clãs e de suas ligações espirituais com a fonte de vida e cultura que deixaram para trás, ao adentrar no grande calunga, para nunca mais voltar ou serem aceitos de volta.
Imaginar que outrora perdíamos poetas e reis para o que hoje é uma simples tuberculose ou febre tifoide, que ceifavam ainda jovens, os seus grandes potenciais, nos exemplos de Alexandre Magno ou Castro Alves, nos faz refletir a tortura, a loucura e a dor que afligiam todos aqueles que, em coleiras de correntes, se viam doentes, a putrefar entre mortos, sofrendo o infortúnio de serem aviltados de suas tribos e clãs, à mercê da feroz gula dos que nem consciência de serem humanos possuíam, sem perceberem que, como até entre os gatos tem cor, seja de pelos ou de olhos. Nós só nos diferenciamos no que temos como caráter e crenças, pois até na doença, sucumbimos de formas iguais, a não ser quando o caráter nos torna discípulos do que abominavelmente trancamos na caixa de Pandora.
E ficam a buscar a fortuna que nunca levarão consigo, sem saber a semelhança ou a diferença entre o Ébano e o Marfim - numa breve alusão à musicalidade negra de Steve Wonder - que precisam de união e não muros, pois que os muros e muralhas, sejam do César Adriano ou da China Medieval, são sinônimos de fraqueza e medo, num contraponto aos que acham serem meras demarcações de espaço e domínio, se sabemos que o mundo é um só.
Publicado no Facebook em 14/01/2019