POBRES OU MISERÁVEIS
Não lembro da casa na infância,
Nem se lá eu sofri ou sonhei,
Mas hoje eu percebo a distância,
Que andei pra saber o que sei.
Desde cedo no banco da escola,
Brincadeiras só eram à tarde,
E na porta, há mendigo e esmola,
Como símbolos daquela verdade.
Todos pobres ou miseráveis,
A nação era escrava da fome,
Sob o frio ou calor execrável,
Que castiga mulher e homem.
Foram tempos sem coração,
Mas também sem tecnologia,
Sem ter nem o gás no fogão,
Ao roncar a barriga vazia.
Lembro quando haviam retalhos,
Pois as tias faziam costuras,
Indo ao mato tirar até galhos,
Pra noitinha cozer as verduras.
Comer proteína, só se caçasse,
Mesmo não sendo uma aventura,
Mas se o estilingue falasse,
Nossa fome poderia ter cura.
Mas hoje a perdiz é de granja,
E o leite já vem feito em pó,
Ou o suco se mistura à laranja,
E o café só se toma "um menor".
Ninguém mais se conhece de fato,
Mas dizem que é preciso ter nome,
Tudo enquanto nós somos os patos,
Na lagoa em que todos têm fome.
Não adianta vivermos de fama,
E com nossos irmãos na sarjeta,
Se à noite eu relembro o drama,
E o terror de quem faz a careta.
Eu só quero o direito a viver,
Sem o escárnio do louco xerife,
Que desdenha do povo a morrer,
Mas também se verá num esquife.