SÓ UTOPIA
Há muito tempo foi machado,
Ou um aderno na tempestade,
Mas hoje é mato escrachado,
E a motoserra é a cidade.
Houve um tempo sem gás,
A não ser de um fogo fátuo,
E o louco faz o que lhe apraz,
Pois contamina até o regato.
Não creio em sina na vida,
Por termos o livre arbítrio,
E a morte que cala o guariba,
É o que chamam desperdício.
Todo desagrado é descarte,
E vamos sujando o mundo,
Mas vamos despidos de arte,
E ela nos mostra o imundo.
Então torcem pelo mecânico,
Pra não termos nossa magia,
Pensando sermos vulcânicos,
Mas pode ser só utopia.
O ser que não sonha e delira,
Vive só pra ser uma saúva,
E goza somente e respira,
Ou não sabe o sofrer da viúva.
Não tem as lembranças da vida,
Pois não mais registram os dias,
Só conta o dinheiro e fornica,
Pensando o que traz alegrias.
Bebe todo o dia a cicuta,
Em doses que não percebe,
Achando que vida é firula,
E a pose é o que lhe difere.
E assim, vai chegando a noite,
Pois nem mais o dia enaltece,
Onde tudo é disfarce do açoite,
Que o servo nem sente na pele.
Por isso perdura o escravo,
Mesmo rotulado de livre,
Mas livre é a rosa e o cravo,
Pois não estão onde estive.