O QUADRO E A TELA
Um dia servirei de lembrança,
Quando te apertar a saudade,
Prostrado desde sua infância,
Na parede que separa a idade.
Digo ainda quem esteve aqui,
E demonstro a roupa da época,
Mostro os meus penteados a ti,
Em um tempo de samba sapeca.
Sou retrato de uma gafieira,
E o registro de algo que fui,
Sou reflexo de descer ladeira,
Como foto do morro que rui.
Vou estar no museu da rameira,
Desde que lá no Louvre fui rei,
Ou jogado de junto à chaleira,
Mas se fui lá pintado, não sei!
Dizem hoje eu ser sem pincel,
Se o produto vem da estática,
Mas eu quis ser pote de mel,
E só mostrei coisa prática.
Minha tela tem bordas bonitas,
Para que tu não me aches feio,
Decorando uma sala onde ficas,
Como fosse a mãe, filho e seio.
E se um dia cansares de mim,
Não me jogues no lixo ou porão,
Pois não sou feito de cetim,
E também não quero um sermão.
Se me deixar de lado eu choro,
Mas se olhar detrás só há prego,
E a certeza é que lhe imploro,
Não me faça como ao caderno!
Não me risque pois sou pintura,
E não sou cortejo de um lápis,
Mas eu digo que sou a cultura,
Que não cabe num rádio de táxi.